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terça-feira, 29 de junho de 2010
terça-feira, 22 de junho de 2010
"Professores Estão a Perder a Autoridade na Sala de Aula"
Por TERESA LIMA
Público, Sábado, 10 de Novembro de 2001
Manual sobre indisciplina
Psicólogo da Universidade do Minho propõe modelos de actuação e recusa "modas psicopedagógicas"
O objectivo é declarado: "criar algum ruído no sistema educativo". Na sua base reside um "aviso à navegação": "Atenção que os professores estão a perder autoridade na sala de aula." Carlos Fernandes, professor e investigador em Psicologia na Universidade do Minho, editou com dois colegas (Paulo Nossa e Jorge Silvério) um manual sobre "Incidentes Críticos na Sala de Aula", vulgarmente conhecidos por indisciplina. O resultado é do menos politicamente correcto possível, mas não se inventou nada, apenas se recorreu à Análise Comportamental Aplicada (ACA), para desconstruir a "teoria do coitadinho" e as "modas psicopedagógicas".
Depois de 20 anos a dar formação a professores de escola em escola, Carlos Fernandes concluiu que se passou "de um extremo ao outro". Dos tempos da palmatória salazarista transitou-se para "teorias pseudocientíficas", que assentam na ideia de que o aluno deve ser poupado, sob pena de sofrer "traumas" que o marquem para toda a vida.
O abismo que se cavou entre a velha guarda de professores e uma vaga mais jovem é flagrante. Um exemplo basta para que se perceba até que ponto. Um aluno dito problemático tornou-se o herói do dia ao deitar o tabuleiro da comida ao chão, em plena cantina. Um grupo de professores sugeriu que ele limpasse o que havia sujado. Um outro grupo considerou que tal seria humilhante para o adolescente. No final, a comida espalhada foi limpa pelo contínuo de serviço.
Ao longo do seu trabalho, Carlos Fernandes tem-se esforçado por provar que atitudes como esta não têm nenhuma base de sustentação científica e que, em termos educativos, se está a fazer tudo ao contrário do que diz a psicologia ao nível do comportamento. É certo que um professor não pode ignorar as consequências dos contextos sociais e familiares no aluno, mas, segundo o investigador, esses factores não devem servir para justificar tudo. Este é um princípio do conhecimento científico: "informar a prática de aplicação, não justificá-la", explicita o manual editado pela Quarteto.
A teoria do "bom selvagem" de Rousseau, que está a contagiar os modelos educativos europeus e norte-americanos, ignora um princípio fundamental para que se possa lidar com a indisciplina eficazmente. "O imaginário cultural vive da ideia de que a criança é muito ingénua e não é - a criança é do mais manipulador que existe", declara o investigador. Esta ideia não deve servir para diabolizar os comportamentos, é antes uma forma pragmática de ter consciência de que "não há criatividade sem divergência, sem disparate".
"Não há crianças indisciplinadas, há incidentes críticos"
É partindo deste pressuposto que um professor deve ir para a sala de aula, com a certeza de que "não há crianças indisciplinadas, há incidentes críticos". À partida, a fórmula pode parecer confusa, mas não o é. Baseando-se na ACA, Carlos Fernandes propõe três estilos de liderança que os professores podem utilizar, conforme as circunstâncias. O manual aconselha que, "independentemente das características dos elementos de uma turma, nas primeiras aulas os agentes educativos deverão assumir uma postura autocrática".
O estilo autocrático, em que o líder estabelece, desde logo, as regras de conivências e impõe objectivos, bem como métodos, não pode ser confundido com o ditatorial. Aqui reside a grande diferença entre os anos do salazarismo e uma prática que restitua a autoridade ao professor. "O ditatorial caracteriza-se pela arrogância, pela irritabilidade e pela ameaça velada. O autocrático caracteriza-se pela firmeza e pela clareza", esclarece o manual. Em fases mais avançadas, e dependendo das turmas, os professores podem adoptar o estilo democrático, mais aconselhável para trabalhos de grupo, em que se pretende promover a criatividade. Em certas alturas, podem mesmo introduzir momentos do estilo "laissez-faire, laissez-passer", ou seja, situações em que os incidentes críticos são aproveitados para dar algum espaço ao caos, o que também será necessário, desde de que o líder seja sempre aceite como a fonte da autoridade.
Carlos Fernandes gostaria que os professores que saem das universidades tivessem acesso a estes modelos, a par das disciplinas pedagógicas e psicopedagógicas que já são leccionadas. É que, quando são confrontados com a realidade escolar, "sentem-se abandonados". Da mesma forma, as crianças e adolescentes colherão os frutos desta protecção ilusória, que os poupa a todas as pressões e que se aplica na escola, como em casa. "Eu prefiro que o meu filho leve um apertão na escola do que daqui a uns anos venha a ser bastonado pela polícia", exemplifica o investigador.
Cristóvão Puxou-lhe as Orelhas e Ele Saiu Porta Fora
Público, Sábado, 10 de Novembro de 2001
Muitas são as situações práticas e reais que o manual identifica e às quais dá soluções. Cada caso é obviamente um caso, e por isso mesmo uma das mensagens do livro é a de que "não há receitas, mas sim sentido estratégico", o qual pode ajudar os professores a sair com êxito das situações mais desesperadas.
Cristóvão foi um dos muitos professores que receberam de chofre e sem paliativos as consequências da indisciplina das turmas problemáticas. Aconselhou-se com um colega experiente que lhe recomendou o "diálogo". O mesmo colega acompanhou-o a uma aula, onde tentou pôr em prática a sua teoria. A confusão sobrepôs-se à atitude dialogante e o professor foi obrigado a ordenar a um aluno que se sentasse. "Não sento!" - foi a resposta. Em estado de desespero, o professor acabou por obrigar o aluno, com um puxão de orelhas, a sentar-se. Este saiu porta fora, não sem antes ter derrubado a carteira.
Perante o que havia acontecido ao seu colega, Cristóvão decidiu ser ele próprio a adoptar uma atitude diferente. "O meu ar complacente e sorridente deu lugar a uma expressão típica de um introvertido (efeito-surpresa). O vestuário, até aí normal, deu lugar ao fato e gravata (inesperado). A disposição das carteiras na sala passou a ser em U (convergências de trajectórias)." Depois, alternou os alunos problemáticos com os mais sossegados e colocou os dois líderes da turma junto à sua secretária. Por fim, pediu a colaboração dos alunos para criar uma lista de regras, e todos eram penalizados ou recompensados pelos comportamentos que tinham.
Outro caso é relatado por um dos autores do livro. O professor viu-se perante a turma da escola alvo do maior número de comentários, daquelas em que os alunos se vangloriam dos processos disciplinares que têm no currículo e desafiam os professores novos a bater os recordes de faltas. O registo é revelador: "As interrupções eram frequentes, o início da aula era sistematicamente precedido de berros, pontapés nas carteiras, cortinados a fingir de lianas e giz a resvalar no quadro, tão próximo do docente quanto possível." O professor optou por reunir a maioria dos encarregados de educação, na sala degradada e que não fora arrumada propositadamente, para que os pais vissem a obra dos seus rebentos, após o que acordaram num conjunto de regras e medidas a tomar, que foram comunicadas aos alunos.
Um bom exemplo da desorientação dos professores perante turmas problemáticas está registado na conversa reproduzida entre um psicólogo e uma professora. A docente insistia numa abordagem amigável, face aos problemas das crianças. "Estes jovens, sobretudo os da minha escola, vêm de um meio horrível, são filhos de pais alcoólicos e que batem nas mães. Temos que os entender e mostrar-lhes que na escola podem encontrar o que não têm em casa", explicava, já sem grande convicção, perante as primeiras turbulentas aulas. Ao fim de algumas sessões e uma nova atitude, concluiu que, "em turmas problemáticas, introduzir regras de comportamento logo nas primeiras aulas só beneficia os alunos".
T.L.
Algumas Regras da Boa Liderança
- Os elementos mais indisciplinados têm que ser diluídos por várias turmas, em vez de agrupados numa só turma
- É preciso que o líder fale a mesma linguagem dos alunos, porque só é aceite formalmente se o for informalmente
- O professor, em cada acto educativo, tem que ter engenho para descobrir a forma mais interessante de expor os conteúdos, para poder motivar o aluno
Por TERESA LIMA
Público, Sábado, 10 de Novembro de 2001
Manual sobre indisciplina
Psicólogo da Universidade do Minho propõe modelos de actuação e recusa "modas psicopedagógicas"
O objectivo é declarado: "criar algum ruído no sistema educativo". Na sua base reside um "aviso à navegação": "Atenção que os professores estão a perder autoridade na sala de aula." Carlos Fernandes, professor e investigador em Psicologia na Universidade do Minho, editou com dois colegas (Paulo Nossa e Jorge Silvério) um manual sobre "Incidentes Críticos na Sala de Aula", vulgarmente conhecidos por indisciplina. O resultado é do menos politicamente correcto possível, mas não se inventou nada, apenas se recorreu à Análise Comportamental Aplicada (ACA), para desconstruir a "teoria do coitadinho" e as "modas psicopedagógicas".
Depois de 20 anos a dar formação a professores de escola em escola, Carlos Fernandes concluiu que se passou "de um extremo ao outro". Dos tempos da palmatória salazarista transitou-se para "teorias pseudocientíficas", que assentam na ideia de que o aluno deve ser poupado, sob pena de sofrer "traumas" que o marquem para toda a vida.
O abismo que se cavou entre a velha guarda de professores e uma vaga mais jovem é flagrante. Um exemplo basta para que se perceba até que ponto. Um aluno dito problemático tornou-se o herói do dia ao deitar o tabuleiro da comida ao chão, em plena cantina. Um grupo de professores sugeriu que ele limpasse o que havia sujado. Um outro grupo considerou que tal seria humilhante para o adolescente. No final, a comida espalhada foi limpa pelo contínuo de serviço.
Ao longo do seu trabalho, Carlos Fernandes tem-se esforçado por provar que atitudes como esta não têm nenhuma base de sustentação científica e que, em termos educativos, se está a fazer tudo ao contrário do que diz a psicologia ao nível do comportamento. É certo que um professor não pode ignorar as consequências dos contextos sociais e familiares no aluno, mas, segundo o investigador, esses factores não devem servir para justificar tudo. Este é um princípio do conhecimento científico: "informar a prática de aplicação, não justificá-la", explicita o manual editado pela Quarteto.
A teoria do "bom selvagem" de Rousseau, que está a contagiar os modelos educativos europeus e norte-americanos, ignora um princípio fundamental para que se possa lidar com a indisciplina eficazmente. "O imaginário cultural vive da ideia de que a criança é muito ingénua e não é - a criança é do mais manipulador que existe", declara o investigador. Esta ideia não deve servir para diabolizar os comportamentos, é antes uma forma pragmática de ter consciência de que "não há criatividade sem divergência, sem disparate".
"Não há crianças indisciplinadas, há incidentes críticos"
É partindo deste pressuposto que um professor deve ir para a sala de aula, com a certeza de que "não há crianças indisciplinadas, há incidentes críticos". À partida, a fórmula pode parecer confusa, mas não o é. Baseando-se na ACA, Carlos Fernandes propõe três estilos de liderança que os professores podem utilizar, conforme as circunstâncias. O manual aconselha que, "independentemente das características dos elementos de uma turma, nas primeiras aulas os agentes educativos deverão assumir uma postura autocrática".
O estilo autocrático, em que o líder estabelece, desde logo, as regras de conivências e impõe objectivos, bem como métodos, não pode ser confundido com o ditatorial. Aqui reside a grande diferença entre os anos do salazarismo e uma prática que restitua a autoridade ao professor. "O ditatorial caracteriza-se pela arrogância, pela irritabilidade e pela ameaça velada. O autocrático caracteriza-se pela firmeza e pela clareza", esclarece o manual. Em fases mais avançadas, e dependendo das turmas, os professores podem adoptar o estilo democrático, mais aconselhável para trabalhos de grupo, em que se pretende promover a criatividade. Em certas alturas, podem mesmo introduzir momentos do estilo "laissez-faire, laissez-passer", ou seja, situações em que os incidentes críticos são aproveitados para dar algum espaço ao caos, o que também será necessário, desde de que o líder seja sempre aceite como a fonte da autoridade.
Carlos Fernandes gostaria que os professores que saem das universidades tivessem acesso a estes modelos, a par das disciplinas pedagógicas e psicopedagógicas que já são leccionadas. É que, quando são confrontados com a realidade escolar, "sentem-se abandonados". Da mesma forma, as crianças e adolescentes colherão os frutos desta protecção ilusória, que os poupa a todas as pressões e que se aplica na escola, como em casa. "Eu prefiro que o meu filho leve um apertão na escola do que daqui a uns anos venha a ser bastonado pela polícia", exemplifica o investigador.
Cristóvão Puxou-lhe as Orelhas e Ele Saiu Porta Fora
Público, Sábado, 10 de Novembro de 2001
Muitas são as situações práticas e reais que o manual identifica e às quais dá soluções. Cada caso é obviamente um caso, e por isso mesmo uma das mensagens do livro é a de que "não há receitas, mas sim sentido estratégico", o qual pode ajudar os professores a sair com êxito das situações mais desesperadas.
Cristóvão foi um dos muitos professores que receberam de chofre e sem paliativos as consequências da indisciplina das turmas problemáticas. Aconselhou-se com um colega experiente que lhe recomendou o "diálogo". O mesmo colega acompanhou-o a uma aula, onde tentou pôr em prática a sua teoria. A confusão sobrepôs-se à atitude dialogante e o professor foi obrigado a ordenar a um aluno que se sentasse. "Não sento!" - foi a resposta. Em estado de desespero, o professor acabou por obrigar o aluno, com um puxão de orelhas, a sentar-se. Este saiu porta fora, não sem antes ter derrubado a carteira.
Perante o que havia acontecido ao seu colega, Cristóvão decidiu ser ele próprio a adoptar uma atitude diferente. "O meu ar complacente e sorridente deu lugar a uma expressão típica de um introvertido (efeito-surpresa). O vestuário, até aí normal, deu lugar ao fato e gravata (inesperado). A disposição das carteiras na sala passou a ser em U (convergências de trajectórias)." Depois, alternou os alunos problemáticos com os mais sossegados e colocou os dois líderes da turma junto à sua secretária. Por fim, pediu a colaboração dos alunos para criar uma lista de regras, e todos eram penalizados ou recompensados pelos comportamentos que tinham.
Outro caso é relatado por um dos autores do livro. O professor viu-se perante a turma da escola alvo do maior número de comentários, daquelas em que os alunos se vangloriam dos processos disciplinares que têm no currículo e desafiam os professores novos a bater os recordes de faltas. O registo é revelador: "As interrupções eram frequentes, o início da aula era sistematicamente precedido de berros, pontapés nas carteiras, cortinados a fingir de lianas e giz a resvalar no quadro, tão próximo do docente quanto possível." O professor optou por reunir a maioria dos encarregados de educação, na sala degradada e que não fora arrumada propositadamente, para que os pais vissem a obra dos seus rebentos, após o que acordaram num conjunto de regras e medidas a tomar, que foram comunicadas aos alunos.
Um bom exemplo da desorientação dos professores perante turmas problemáticas está registado na conversa reproduzida entre um psicólogo e uma professora. A docente insistia numa abordagem amigável, face aos problemas das crianças. "Estes jovens, sobretudo os da minha escola, vêm de um meio horrível, são filhos de pais alcoólicos e que batem nas mães. Temos que os entender e mostrar-lhes que na escola podem encontrar o que não têm em casa", explicava, já sem grande convicção, perante as primeiras turbulentas aulas. Ao fim de algumas sessões e uma nova atitude, concluiu que, "em turmas problemáticas, introduzir regras de comportamento logo nas primeiras aulas só beneficia os alunos".
T.L.
Algumas Regras da Boa Liderança
- Os elementos mais indisciplinados têm que ser diluídos por várias turmas, em vez de agrupados numa só turma
- É preciso que o líder fale a mesma linguagem dos alunos, porque só é aceite formalmente se o for informalmente
- O professor, em cada acto educativo, tem que ter engenho para descobrir a forma mais interessante de expor os conteúdos, para poder motivar o aluno
terça-feira, 8 de junho de 2010
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