A pintura é a invenção de uma
paisagem com o pretexto de enunciar um modelo de conhecimento,
correspondente ao estágio da cultura, e eternizar um sentimento. O pintor se
aproxima da paisagem para explorar os limites do olhar, seduzido pela coisa
e a possibilidade de inventar uma imagem ou um horizonte, um lugar distante
daquilo que entendemos como realidade, capaz de reter a contemplação. De
fundo ou cenário para alguma coisa acontecer, a paisagem tornou-se o lugar
das satisfações e curiosidades do olhar. Para Rilke: "Ninguém pintou ainda
uma paisagem que seja tão completamente paisagem e seja, no entanto,
confissão e voz pessoal como esta profundidade que se abre atrás da Mona
Lisa."É preciso se desacostumar de uma forma habitual de ver o mundo, como
fez Leonardo da Vinci, e olhar as coisas com uma paixão e uma racionalidade
que esfacelam a idéia de uma percepção natural, sem a influência do
pensamento. A pintura é a possibilidade de uma idéia ou de um saber sobre a
paisagem.
Estamos sempre relacionando tudo que
vemos com a nossa carência de olhar, apropriamos das cenas vazias dando-lhes
o sentido que nos pareça conveniente, para insinuar uma comunicação sem a
interferência do raciocínio; mas o artista quer ir mais longe; enfrenta as
aventuras da imagem, olha para dentro das coisas procura no fundo da
paisagem, o que não se vê, à distância. A paisagem é meio de conhecimento e
não ilustração da realidade, ela pode ser tudo, pode vir do nada, isto é,
porque o nada, para o pintor, é a essência de tudo. Quando o céu era uma
realidade o olhar do pintor se restringia ao que era determinado pelo
sagrado, a geografia onde o homem realizava seu dia a dia encerrava os
limites da paisagem. No Renascimento, o pintor era religiosamente um
espectador, um observador do que estava próximo do campo visual, ele
desconhecia o outro lado que o olhar não penetrava, porque ele não se
misturava às coisas. Reproduzir a aparência das coisas era a essência da
arte, contemplava-se o quadro como se estivesse diante de uma janela ou de
um espelho.
A natureza enquanto paisagem não é
uma coisa isolada à espera de uma designação ou de uma determinação por
parte do homem, ele é parte dela e quando a percebe desenha os seus
contornos para registrar sua aparência, interrogar o visível e criar novas
possibilidades de expressão. Com a arte ele compreendeu também sua solidão
diante da natureza e a paisagem projetada na tela pode ser produto de suas
obsessões. Cézanne entra em cena. "Não é nem um homem, nem uma maçã, nem uma
árvore que Cézanne quer representar; ele serve-se de tudo isso para criar
uma coisa pintada que proporciona um som bem interior e se chama imagem" (Kandinsky).
Uma imagem inacabada porque o pintor não para de olhar e interrogar o
aspecto das coisas que compõem a sua paisagem. A pintura nunca está
terminada.
Ao transformar a paisagem em pintura
o pintor quer revelar a intimidade do mundo. "A pintura moderna do mesmo
modo que o pensamento moderno, obriga-nos a admitir uma verdade que não
reflita as coisas, sem modelo exterior, sem instrumentos de expressão
predestinados e não obstante verdade "(Merleau-Ponty). Uma verdade não
reproduzida, mas criada a partir de conceitos. Se na tradição renascentista
o pintor era o espectador ideal e racional do mundo, na modernidade, ele se
mistura aos seres e às coisas para transformá-los em imagens. O pintor
moderno pinta a paisagem cada vez mais de perto, com a intimidade de "voltar
às coisas" e alcançar o fundamento do "real". A paisagem moderna é um buraco
problemático de pensar o mundo e o homem está entre o mundo e as coisas como
se fosse um exercício de composição. No imaginário do artista, a paisagem
não é a analogia daquilo que a história do homem designou realidade. O
paisagista Claude Monet com sua percepção inquieta, disseca as aparências e
eterniza o instante refletido no seu jardim, pinta a descontinuidade do
tempo. Picasso inventa imagens de múltiplos pontos de vistas, fragmentando a
paisagem.
Para Mondrian, a paisagem é uma
combinação de horizontais e verticais, a depuração da composição.
Apropriando-se de imagens e objetos, Duchamp reinventa a paisagem, com o
riso e a reflexão. Pollock cria a paisagem americana, no rítimo gestual
proporcionado pelo acaso da tinta atirada sobre a superfície da tela. Neste
processo contínuo de desnaturalização do olhar, mudam-se a construção e a
percepção das imagens.
A paisagem não é a realidade que o
sonho não apagou, ela é também construída de sonhos. "Antes de ser um
espetáculo consciente, toda paisagem é uma experiência onírica" (Bachelard).
Que seja figurativa ou abstrata, espontânea ou racional, ela é objeto do
pensamento, é uma realidade semiológica, sujeita portanto, a uma variedade
de interpretações coerentes e incoerentes. A paisagem que o artista nos
oferece, é um espelho refletindo problemas para o olhar imaginar soluções
possíveis, mas não definitivas. A pintura se direcionou para a construção de
um objeto plástico autônomo e universal e fez da paisagem um campo
enigmático como se ela fosse um lugar de pensamentos secretos.
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