Hugo Cesar Hoeschl
A liberdade genérica de comunicação e expressão é
tema pacificamente consagrado pelo direito, nos mais elevados círculos
internacionais.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em seu artigo 11, já dispunha pela sua garantia:
"Art. 11. A livre comunicação das idéias e das
opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem; todo cidadão pode,
portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia,
pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei".
Da mesma forma, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, no artigo XIX:
Todo homem tem direito à liberdade de opinião e
expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter
opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras." (destacado do original).
A tentativa de cercear a expressão alheia, e sua
comunicação, nos traz a lembrança dos senhores feudais ingleses, no
século XIII, que puniam trovadores e inventadores de contos quando estes
lhes provocavam.
A mais desagradável das lembranças é a de Galileu, que envelheceu na prisão da inquisição por "haver pensado em astronomia diversamente de quanto o teriam os censores franciscanos e dominicanos",
divulgando suas conclusões. Dentre os sobreviventes, o caso de Galileu é
um dos mais infelizes registros de cerceamento à liberdade de expressão
e comunicação da história da humanidade.
No Brasil, essa garantia é vigente desde a primeira
Constituição, e está atualmente consagrada pela Magna Carta,
especificamente nos seguintes dispositivos:
..........
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
..........
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
..........
XIV - é assegurado a todos o acesso à informação....;
..........
"Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1. Nenhuma lei conterá dispositivo que possa
constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em
qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5.,
IV, V, X, XIII e XIV.
§ 2. É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística." (destacado do original).
Da mesma forma ocorre no plano legal, através da Lei
5.250/67, a qual, nesses aspectos, foi recepcionada pelo texto
constitucional.
Dispõe seu artigo 1o.:
Como se pode perceber, estamos diante de um instituto
que alude à expressão, à comunicação, à manifestação do pensamento, à
sua difusão, à criação e mesmo à informação.
O Professor José Afonso da SILVA usa a expressão "liberdade de comunicação", no sentido mais amplo, que abrangeria as demais:
Trata-se, acima de qualquer modelagem, de livre divulgação de idéias, de qualquer forma:
É uma verdadeira expressão da liberdade humana, como um todo, apontada por FERREIRA:
O Professor CRETELLA JÚNIOR chega a descrever a comunicação como uma necessidade:
A principal garantia da liberdade de expressão é a
liberdade de imprensa, não havendo dúvida de que seu conceito possa ser
ampliado:
Vale dizer: entre as "diversas formas modernas de difusão do pensamento" está, sem sombra de dúvida, inserta a internet.
Assim, a expressão e a comunicação em
geral, sob qualquer forma, são mais do que livres no direito brasileiro.
Isso significa poder publicar, nos meios de comunicação ou serviços de
telecomunicações, qualquer coisa que se queira. No caso dos veículos de
comunicação de massa, há cautelas e restrições estabelecidas nas esferas
constitucional, legal e regulamentar, principalmente no tocante à
proteção da infância e da juventude. Porém elas - as restrições e
cautelas - não incidem sobre a internet, o que vale dizer que nela pode
ser veiculada qualquer coisa, independente de seu conteúdo, inclusive a tão discutida pornografia.
Essa conclusão é reforçada por três outros referenciais, além dos já apresentados:
1. A internet é um veículo mundial, e nenhuma
proibição ou censura tem tal alcançe; 2. Na internet, a informação, as
imagens e os sons não vão em busca das pessoas, pelo contrário, estas
partem rumo aos dados, ou seja, uma pessoa, na internet, somente vê o
que quer ver, o indivíduo tem total controle sobre a escolha dos
atrativos e não há a menor possibilidade de alguém ser pego de surpresa
por algo que não desejava encontrar, como frequentemente ocorre na
televisão; 3. Ao bater às portas da internet e buscar seu ingresso no
ciberespaço, as pessoas estão entrando num mundo norteado por outros
referenciais, um dos quais é a ética hacker, segundo a qual a informação quer ser livre, como foi visto no capítulo 4.
Isso não significa dizer que as pessoas não são
obrigadas a assumir responsabilidades decorrentes da liberdade
garantida. Como se vê pelas diversas disposições apontadas, é vedado o
anonimato e as pessoas são responsáveis pelos abusos cometidos.
Não é outro o entendimento do Professor José Afonso da SILVA:
Entenda-se a expressão responder como estendida às questões criminais, civis e administrativas.
Ou seja, o mecanismo hábil à redução dos abusos, como
pornografia infantil, calúnias e facismo, é a responsabilização, e não a
censura, como deve acontecer em uma sociedade regida por pessoas
amadurecidas.
A fim de evitar abusos e desencadear
responsabilizações pessoais no tocante à tudo aquilo que for divulgado
na internet, é positivo, por parte dos exibidores, a introdução de um aviso de conteúdo preliminar a quaisquer informações tidas como polêmicas, principalmente no caso da pornografia.
Para finalizar, vamos analizar uma última questio: a exposição de material pornográfico na internet materializa imoralidade pública, ofensiva aos bons costumes, e caracteriza o crime descrito pelo artigo 17 da já citada lei 5.250/67 ?
Veja-se o que diz o dispositivo:
Pena: Detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa de l (um) a 20 (vinte) salários mínimos da região".
Existe uma série de motivos para acreditarmos que
não. Mas o mais consistente deles, do ponto de vista legal, é
proveniente interpretação do parágrafo único do artigo 12 da mesma lei:
Parágrafo único. São meios de Informação e
divulgação, para os efeitos deste artigo, os jornais e outras
publicações periódicas, os serviços de radiodifusão e os serviços
noticiosos".
Por sua vez, o ítem "3. a)" da norma 004/95, aprovada pela portaria 148/95 do Ministério das Comunicações, apresenta uma definição da internet:
Para fins desta Norma são adotadas as definições
contidas no Regulamento Geral para a execução da Lei n. 4.117, aprovado
pelo Decreto n. 52.026, de 20 de maio de 1963, alterado pelo Decreto n.
97.057, de 10 de novembro de 1988, e ainda as seguintes:
a) Internet: nome genérico que designa o conjunto de
redes, os meios de transmissão e comutação, roteadores, equipamentos e
protocolos necessários à comunicação entre computadores, bem como o
'software' e os dados contidos nestes computadores;".
Ou seja, a internet não é definida como uma das
figuras descritas pelo parágrafo único do artigo 12 da lei citada,
hipótese na qual ela simplesmente não incide, independentemente de a
internet ser ou não considerada, no plano metajurídico, como um meio de
informação e divulgação.
Mas, deixando de lado o aspecto interpretativo das
disposições legais, deve-se levar em conta o fato de que impera na
internet a vontade do usuário, ou seja, ele vê o que quer, e só o que
quer. Admitir qualquer tipo de restrição numa situação de tão forte
presença do livre arbítrio significa retroceder no tempo.
A internet é tão passiva, enquanto repositório de
informações, quanto uma banca de revistas ou uma biblioteca pública.
Isso precisa ficar claro, e devemos tomar cuidado com as críticas feitas
por pessoas que não a conhecem. E foi-se o tempo - esperamos - no qual
as pessoas exteriorizavam suas preocupações com as preferências alheias
naqueles locais, objetivando restringi-las.
A censura, a qualquer título e de qualquer tipo, é simplesmente incabível na internet. Vamos defini-la:
É uma definição branda, apresentada por CRETELLA JÚNIOR. Talvez o ilustre Professor aceite, em algumas situações, a censura. Discordamos. Censura não é um mero exame, mas o ato de cercear a liberdade alheia de expressão, informação e comunicação, generalizadamente. E não há limites ou padrões a
serem seguidos. Ou há o cerceamento, ou não há. E, frise-se, no caso do
Brasil, o único padrão fixado, não legal, mas constitucional, é o
seguinte: É VEDADA TODA E QUALQUER CENSURA.
O ciberespaço é um mundo onde ela não existe e não é
possível, sendo absolutamente irrelevante a natureza da mensagem
analisada, da astronomia à pornografia.
A quem discordar do paradigma, seja no plano
institucional, empresarial, orgânico ou pessoal, resta uma abrangente,
simplificada e fácil opção: ficar fora da internet. Mas censurar,
jamais.
A censura é um lixo social mais nocivo do que a
própria pornografia, e, se tivermos que fazer uma escolha entre ambas,
devemos ficar com a segunda - embora também seja problemática -, pelo
simples fato de que a primeira causou prejuízos infinitamente superiores
- e irreparáveis - à evolução da raça humana.
Para concluir, enfatizamos que "grandes batalhas têm sido travadas em prol da liberdade de expressão" e que, como afirmou RICHARDSON, " as
grandes lutas pela liberdade de expressão têm sido ganhas não nos
tribunais, mas nos meetings de protesto, nos editoriais, nas cartas
dirigidas ao congresso, na coragem dos cidadãos".
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