O que é Filosofia?
Esta questão pode ter uma variedade de respostas. Vou apresentar três noções que possam ajudar na compreensão desta palavra, para muitas pessoas, muito misteriosa. Uma de cunho clássico, outra mais popular, fundada mais no senso comum e a terceira apresentando uma conceituação exata, mas numa linguagem próxima do modo de falar dos humanos de hoje.
O pensamento clássico, seguindo os passos classificatórios de Aristóteles, afirma: A filosofia é o conhecimento pelas últimas causas.
Popularmente, poder-se-ia dizer que a filosofia é um modo de lidar com toda a realidade que cerca o ser humano. Neste caso, filosofia inclui não só o hábito muito humano de refletir sobre as coisas e sobre os acontecimentos, como aquilo que é chamado de filosofia de vida.
Uma definição exata em termos modernos, bastante atuais é apresentada pelo educador brasileiro Saviani: Filosofia é uma reflexão radical, rigorosa e de conjunto sobre os problemas da realidade. Embora esta última definição seja expressa com palavras e conceitos muito utilizados na fala cotidiana, é bom mostrar a riqueza e a profundidade com que estão impregnadas.
Reflexão : É um termo derivado de refletir, do latim reflectere , que, em última análise significa dobrar para trás . Assim, reflexão é mais do que pensamento. É o pensamento sobre o pensamento. Como diz Saviani, se toda reflexão é pensamento, nem todo pensamento é reflexão (...) Refletir é o ato de retomar, reconsiderar os dados disponíveis, revisar, vasculhar numa busca constante de significado (SAVIANI, Educação: do senso comum à consciência filosófica, 23). Reflexão é, pois, ter um pensamento e trabalhar sobre ele e com ele.
Radical : Literalmente significa aquilo que atinge a raiz. Este termo indica a característica fundamental da Filosofia. De um lado exclui como incompletas as interpretações superficiais e medíocres da realidade, pois pretende alcançar o melhor conhecimento possível do real. De outro lado mostra que a filosofia não é intransigente, inflexível, pois levará sempre o estudioso à convicção de que o seu saber, por maior e mais profundo que seja, não é o último, muito menos o definitivo. É o melhor, o maior e o mais profundo que ele pode alcançar naquele momento.
Rigorosa : A reflexão filosófica, por ser radical, exige ser efetivada com rigor, isto é, que tenha um método, um caminho a seguir e um objetivo a ser alcançado. Nas palavras de Saviani: Deve-se proceder com rigor, ou seja, sistematicamente, segundo métodos determinados, colocando-se em questão as conclusões da sabedoria popular e as generalizações apressadas que a ciência pode ensejar (Saviani, op. cit., 24).
De conjunto : A reflexão filosófica jamais atinge qualquer realidade (qualquer objeto da realidade) de modo parcial, mas sempre numa perspectiva de conjunto, sempre dentro da totalidade em que se acha inserido. Assim como o pé não pode ser entendido sem relacioná-lo ao corpo, do qual é a base, qualquer outro objeto ou fato não poderá ser adequadamente compreendido fora do seu contexto, isoladamente.
Problema : A reflexão filosófica tem como objeto o problema, pois a vida e a realidade em si, toda a realidade se apresenta para o ser humano como um problema . Daí ser imprescindível esclarecer o significado desse termo, para que se possa alcançar o significado exato de filosofia. Saviani introduz a discussão sobre esse conceito assim: Mas o que se entende por problema? Tão habituados estamos ao uso dessa palavra que receio já tenhamos perdido de vista o seu significado. (Saviani, op. cit., 18). Em seguida divide suas considerações em duas partes. Na primeira considera, para descartá-los como incompletos e insuficientes, Os Usos correntes da Palavra Problema e, na segunda, em que busca precisar o seu significado, disserta sobre A necessidade de se recuperar a problematicidade do Problema . (Saviani, op. cit., 18-23)
Usos correntes da palavra Problema: Saviani apresenta um número razoável de significados atibuídos pela linguagem corrente à palavra problema que, embora se refiram a situações ligadas ao problema ou que sejam portadoras de elementos presentes no problema, não são em si suficientes para caracterizar com exatidão o problema . Assim, ele menciona a questão , que não é um problema, pois, muito freqüentemente a questão é uma pergunta cuja resposta já é conhecida. Também o não-saber não caracteriza o problema. Este significado, não-saber, inclui o simples desconhecimento de algo específico e também o desconhecimento absoluto, isto é, a impossibilidade de conhecer algo. Quanto ao primeiro, há tanta coisa que os humanos não sabem – e que não incomodam a sua vida – que não se pode ver nessa ignorância um problema. No segundo caso, estamos diante do enigma, do mistério. Ora, o mistério inclui antes a solução do problema, pois freqüentemente conduz à fé, à confiança no incognoscível, o que lhe traz tranqüilidade e segurança.
Outros termos usados para expressar o significado de problema são obstáculo, dificuldade e dúvida. Obstáculo , muitas vezes, é antes uma solução que um problema. Uma lombada ou um semáforo, no trânsito, por exemplo. Dificuldade , embora esteja presente nas explicações dos dicionários para o termo problema, não o esclarece suficientemente, pois nem todo trabalho demorado ou penoso é necessariamente problemático. A dúvida , também não esgota o significado de problema porque ela indica apenas uma dupla possibilidade presente, por exemplo, na frase duvido que você chegue antes de mim. Neste caso, como no referido à palavra questão, há muitas situações duvidosas que não afetam propriamente a vida das pessoas.
Necessidade de se recuperar a problematicidade do Problema : Visto que nenhum dos termos apresentados consegue expressar adequada e cabalmente o significado daquilo que os humanos querem dizer com a palavra problema, Saviani sugere o termo necessidade e conclui: a essência do problema é a necessidade (op. cit., 21). E, de fato, é preciso enfatizar, uma necessidade sempre incomoda o ser humano e, por isso, sempre pede uma solução ou exige um superação. Assim, uma questão, em si, não caracteriza o problema, nem mesmo aquela cuja resposta é desconhecida; mas uma questão cuja resposta se desconhece e se necessita conhecer, eis aí um problema (idem, ibidem) . Portanto, problema é uma necessidade a ser resolvida ou superada. Ora, a necessidade não é um dado evidente. Há situações em que a consciência da necessidade é apreendida imediatamente. Há casos em que ela precisa ser despertada para se tornar um verdadeiro problema. Assim, duas famílias poderão ter duas atitudes diferentes diante de um mesmo fenômeno: uma pode ver uma enchente como um fato da natureza, que cumpre aceitar – é o destino; é vontade de Deus! Para esta família, a enchente em si não é um problema. É um fato desagradável contra o qual ela nada pode fazer. A outra vê a enchente como um impedimento para uma vida mais tranqüila e segura, um fato que é um verdadeiro desafio: como encontrar meios de evitá-la? A enchente é um problema. Esta segunda família já tem consciência das limitações, mas também da força e capacidade humanas. Tem consciência de que está diante de um problema, isto é, está diante de um fato que a incomoda, que é uma necessidade pois está a exigir o uso de suas forças físicas e intelectuais para não permanecer dependente dos caprichos da natureza! A outra família precisa ser despertada para a consciência de que a enchente é um fenômeno superável.
Do mesmo modo, ser analfabeto pode ser um problema ou não. Para aquela pessoa contente com sua vidinha medíocre de sobrevivência, ler não lhe acrescentaria nada. Para outra, que quer saber, por exemplo, o que está escrito em um livro sagrado (na Bíblia), que quer ter a satisfação de ela mesma sentir, sem intermediários, a mensagem que ali é transmitida, para essa pessoa ser analfabeta é um problema , pois há aí uma necessidade a ser superada.
Saviani conclui suas reflexões, afirmando: O conceito de problema implica tanto a conscientização de uma situação de necessidade, como uma situação conscientizadora da necessidade (Saviani, op.cit., 22).
Divisão da Filosofia
A filosofia é, pois, uma reflexão radical, é uma postura essencialmente questionadora do ser humano que busca conhecer toda a realidade que o cerca. Atinge, por isso todas as esferas do viver humano, o que se percebe na apresentação das várias partes que compõem o conjunto das posturas do ser humano perante o real:
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