"Lamentação sobre o Cristo Morto" (c.1474-1478)(Têmpera sobre tela 68x81 cm / Pinacoteca de Brera, Milão)
Como
entender a arte moderna? Determinadas obras expostas em renomados
museus ou galerias são mesmo arte? Esses questionamentos são recorrentes
e, para muitos, a arte moderna parece desprovida de sentido. Como
conceito simplificado, arte é experimentação por qualquer meio e pelo
qual o artista demonstra habilidade para transformar ideias em algo
observável e interpretável. Pela tradição platônica, sua finalidade
prática ou teórica realiza-se de maneira consciente, controlada e
racional. Arte já existia nas representações em paredes de cavernas na
pré-história ou nos grandiosos projetos arquitetônicos da antiguidade.
Ela evoluiu com os costumes, servindo a inúmeros fins através dos
tempos.
"Entrada em Jerusalém", afresco executado por Giotto entre 1304 e 1306(Cena nº 26 do Mural “A vida de Cristo” , 200x185/ Capella Scrovegni, Pádua, Itália)
Foram
úteis aos propósitos religiosos de atrair devotos pela representação do
divino e de adverti-los sobre os pecados e punições. E, na política,
serviu aos monarcas e suas cortes, muitas vezes conhecidos por súditos
apenas por meio de pinturas. Nobres também a usavam para conhecer
candidatas ao casamento. Em seus ateliês, pintores exibiam obras como
exemplos de técnica e qualidade para que os interessados soubessem que
resultado teria uma encomenda.
"Madona
da cadeira", óleo sobre painel de madeira de 71cm de diâmetro, pintado
por Rafael em 1513, exposta na Galeria Palatina de Florença
A
beleza, a harmonia, o bom gosto e o realismo eram características da
arte tradicional. Resquícios dessa compreensão ainda existem no nome de
faculdades, como a Escola de Belas Artes de Paris, fundada em 1648.
"Davi
com a cabeça de Golias", de Caravaggio (1605), obra dramática da escola
barroca, com efeitos de luz e sombra (a cabeça de Golias é do próprio
Caravaggio)(Óleo sobre tela 125x101 cm./Museu Galeria Borghese, Roma)
Até
o século 17, os grandes mestres mantinham escolas e aprendizes que
deveriam imitá-los à perfeição, o que possibilitou aprimoramentos no uso
de pigmentos, além do surgimento da perspectiva na pintura, entre
outros avanços. Os artistas, pessoas de sensibilidade e à frente de seu
tempo, desenvolveram novas ideias e criações – muitas vezes vistas com
receio e reprovação no início, mas alçadas à condição de ícones geniais
no trajeto da história, e avaliadas em milhões de dólares. A ruptura com
o tradicional fez surgir, em várias partes do mundo, novos movimentos
artísticos. Para o movimento pré-rafaelita, a pintura é considerada em
estado puro até Rafael, que viveu entre o século 15 e 16. São
representativos do início da fase de influência de efeitos especiais na
pintura, os quadros de luz e sombra de Caravaggio. No barroco, esses
efeitos ganharam exuberância e dramaticidade, além de elementos
decorativos.
"Retrato Equestre do Conde Duque de Olivares" (c. 1634), de Velasquez(Óleo sobre tela, 849x1.117cm./ Museu do Prado, Madri)
Originada
no período pós-Guerra, a arte moderna-contemporânea caracterizou-se por
movimentos de negação ou reinterpretação do passado com nuances do
mundo presente, sem barreiras ideológicas, técnicas ou políticas. Nesses
movimentos surgem a arte impressionista/expressionista, a abstrata e
tantas outras. Nietzsche, estudioso da condição humana, em especial, à
relacionada à tradição, aponta a origem da modernidade na filosofia
iluminista do século 17. Para ele, esta surgiu como crítica à tradição e
à autoridade, que limitava o conhecimento e impedia o homem de perceber
o sensível e o objeto em si. Nietzsche também foi crítico à
modernidade, pelo apego à superficialidade e aos aspectos de efeito.
"Par
de Sapatos", 1888, de Van Gogh, predecessor da arte moderna,
influenciado pelo impressionismo e influência para expressionistas(Óleo sobre tela, 18x21.7/Museu Metropolitano de Nova Iorque)
As
manifestações artísticas das últimas décadas, agregadas às novas formas
de expressão, levam alguns a questionar se a modernidade teria
desencadeado o fim da arte, da beleza, do sentido das coisas. Há alguns
anos, o artista plástico inglês Damien Hirtz matou um tubarão e o
colocou num aquário de formol – posteriormente comprado por um museu de
Nova Iorque. Alguns trabalhos de Hirtz chegaram a ser vendidos por sete
milhões de libras esterlinas. Marcel Duchamp reinterpretou a Mona Lisa
com bigodes. O artista Chris Ofili, em 1999, apresentou no
Brooklin Museum of Art de Nova Iorque o trabalho
The Hole Virgin Mary, uma pintura em relevo com fezes de elefante.
"Três músicos", 1921, do cubista Pablo Picasso(Óleo sobre tela 200.7x222.9 cm./Museu de Arte Moderna de Nova Iorque)
Hoje,
a arte tudo permite. Então, como perceber sensitivamente e compreender o
que é colocado diante de nós como arte. O exercício de compreensão
parece sempre mais fácil quando observamos criações de gerações
anteriores à nossa. Como acreditar e entender que Van Gogh morreu louco,
sem vender uma única tela, que atinge o valor de 60 milhões de dólares
nos leilões?
"A física impossibilidade de morrer na mente viva de alguém", de Damien Hirst, 1992(Tanque de vidro, aço e solução de formol/ 213X518 cm (84X204 in)/ Museu de Arte Moderna de Nova Iorque)
Como
radiologista, interpreto um exame de imagem baseado na história
“clínica” em questão, por meio da observação do “objeto”, por inúmeros
ângulos e, assim, posso compreendê-lo para compor um diagnóstico
satisfatório. Como apreciador de arte, posso interpretar uma obra como
uma viagem no tempo e espaço. Percebo a arte moderna como perdulária da
tradição. Sem o passado na tradição, a arte moderna nada é.
Observar
uma obra pode me trazer conforto, repulsa, tédio ou admiração. Ela pode
desligar-me do mundo real e proporcionar bem-estar físico e mental.
Essa experiência sensitiva terapêutica nem sempre é acompanhada da
completa compreensão de seu objeto. Mas, o desenvolvimento de nosso
senso crítico estético depende do hábito de observar, com curiosidade, a
arte pelos inumeráveis meios de expressão disponíveis em seus infinitos
tempos. Esse hábito contemplativo é uma terapia para a alma, um
exercício de abstração que faz muito sentido como contraponto à rotina
de trabalho médico que, às vezes, nos distancia da compreensão da vida
também como subjetividade.
Obra
na qual Marcel Duchamp pintou, em 1919, um bigode, uma pêra e a
inscrição L.H.O.O., sobre reprodução do quadro "Mona Lisa", de
Michelângelo (Lápis sobre reprodução de Mona Lisa, 19.7 x 12.4 cm/ Coleção particular de Mary Sisler, Nova Iorque 1919)
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