Vida fugaz e intensa
(Biografia)
Antonio Frederico de Castro Alves nasceu em 14 de março de 1847, na fazenda Cabaceiras, em Curralinho, hoje Castro Alves, na Bahia. Cursou Humanidades no Ginásio Baiano, onde já recitava seus primeiros poemas.
Em 1862, transfere-se para o Recife, a fim de ingressar na Faculdade de Direito. Entusiasmado com as idéias liberais e abolicionistas dos jovens acadêmicos da época, dedica-se à poesia e ao desenho, freqüenta os teatros e começa a publicar seus versos na imprensa. Não conseguiu ingressar na faculdade em 1863 (foi reprovado no exame de Geometria). Nesse ano, além de estudar Geometria, publica seus primeiros versos abolicionistas, A Canção do Africano, no jornal acadêmico A Primavera; conhece a atriz portuguesa Eugênia Câmara, dez anos mais velha, por quem viria a se apaixonar, e apresenta os primeiros sinais de tuberculose.
Castro Alves entra na Faculdade de Direito em 1864, onde se destaca mais pelos poemas recitados nos teatros e comícios estudantis, muitas vezes de improviso, do que pelo afinco nos estudos. O seu primeiro grande sucesso público acontece no aniversário dos cursos jurídicos, em 11 de agosto de 1865, quando recita O Século no salão de honra da Faculdade. Nesse mesmo mês, começa a preparar o livro Os Escravos. Divide seu tempo entre a poesia libertária, as atividades acadêmicas e Idalina, companheira com quem vive num bairro retirado do Recife.
Em 1866, funda, com Rui Barbosa e outros colegas de curso, uma sociedade abolicionista, e lança o jornal de idéias A Luz. Nesse mesmo ano, apaixona-se por Eugênia Câmara e vai morar com ela nos arredores da cidade. Para a amada, traduz peças francesas e compõe o drama Gonzaga ou a Revolução de Minas.
Em 1867, mudam-se para Salvador, onde encenam a peça com grande sucesso. Castro Alves dedica-se a terminar Os Escravos e cria A Cachoeira de Paulo Afonso, poema que será o epílogo do livro. Nesse mesmo ano, escreve Sub Tegmine Fagi e outras poesias.
Disposto a terminar o curso de Direito em São Paulo e animado pelo sucesso da peça em Salvador, Castro Alves embarca, na companhia de Eugênia, para o Sul, em fevereiro de 1868. De passagem pelo Rio de Janeiro, lê o seu drama e algumas poesias a José de Alencar, que depois o apresenta a Machado de Assis. Ambos ficam impressionados com seu talento e Machado o elogia publicamente no Correio Mercantil.
No final de março, já morando em São Paulo, Castro Alves é recebido como um ídolo. Freqüenta pouco a Faculdade. Dedica-se a escrever poemas, como As Vozes d'África e Navio Negreiro, recitá-los e preparar a representação do Gonzaga por Joaquim Augusto, o maior ator brasileiro da época, o que viria a se realizar com grande sucesso em outubro.
O relacionamento com Eugênia Câmara conturba-se: Eugênia retorna ao palco e as brigas por ciúmes se sucedem. Eugênia o abandona definitivamente em setembro. Angustiado e deprimido, Castro Alves pára de ler e escrever, somente passeia e vai à caça, ainda que não dispare nem um tiro. Em 1 de novembro, sai mais uma vez para caçar no Brás, nos arredores da cidade e, ao saltar uma vala, a arma dispara e o tiro acerta-lhe o pé esquerdo. O ferimento infecciona e a tuberculose volta a se manifestar. Em 19 de maio de 1869, embarca para o Rio de Janeiro, onde, no começo de junho, seu pé é amputado, sem anestesia. A convalescença é lenta e dolorosa.
Em 25 de novembro, Castro Alves embarca para a Bahia, cercado de amigos e parentes. Durante a viagem, contemplando a esteira de espumas que forma o navio no mar, tem a idéia de reunir seus poemas num livro e lhe chamar Espumas Flutuantes.
A conselho médico, em fevereiro de 1870, vai para Curralinho, no sertão baiano e, depois, à fazenda Santa Isabel, no Rosário do Orobó, onde termina Cachoeira de Paulo Afonso. A aparente melhora de saúde o faz retornar a Salvador em setembro. Em outubro, é lançado o livro Espumas Flutuantes. Em janeiro de 1871, ele ainda faz versos, como A Violeta, que dirige à cantora Agnèse Trinci Murri. No entanto, a doença se agrava.
No dia 6 de julho de 1871, aos 24 anos, o Poeta dos Escravos morre, junto a uma janela banhada de sol, para onde fora levado em cumprimento do seu último desejo.
Condoreirismo Castro Alves foi o principal e mais popular representante do estilo romântico que predominou na poesia brasileira entre 1850 e 1870, denominado condoreiro por Capistrano de Abreu (1853-1927). É caracterizado por uma poesia retórica, repleta de hipérboles e antíteses, em que se destacam os temas sociais e políticos, principalmente a defesa da abolição da escravatura e a apologia da república.
Os poetas condoreiros foram influenciados diretamente pela poesia social de Vitor Hugo - o Condoreirismo é o hugoanismo brasileiro. De teor declamativo e pendor social, um de seus símbolos mais freqüentes é a imagem do condor dos Andes, pássaro que representa a liberdade da América, o que sugeriu a Capistrano de Abreu a denominação dada ao estilo.
A forma mais típica dessa poesia é a décima composta de uma quadra (abab ou abcb) e uma sextilha (ddeffe) de versos heptassílabos, como na poesia O Livro e a América de Espumas Flutuantes:
Por isso na impaciência
Desta sede de saber,
Como as aves do deserto --
As almas buscam beber...
Oh! Bendito o que semeia
Livros... livros à mão cheia...
E manda o povo pensar!
O livro caindo n'alma
É germe -- que faz a palma,
É chuva -- que faz o mar.
Espumas Flutuantes Espumas Flutuantes foi o único livro publicado em vida por Castro Alves. Lançado no final de 1870, poucos meses antes de sua morte, abrange parte importante da sua produção lírica. O livro reúne textos de caráter épico-social, de amor, descritivos e traduções que revelam as influências do autor. Traça, assim, um quadro geral da lírica do poeta, como se quisesse mostrar todas as possibilidades de sua poética, documentando sua percepção do mundo e da época em que vive. Apenas os poemas abolicionistas, pelos quais o poeta se tornou tão conhecido, não constam do volume, pois esavam destinados ao volume Os Escravos, que o poeta vinha organizando e não chegou a publicar inteiro antes de morrer.
Ênfase social Castro Alves, o maior representante da última geração romântica, diferente dos seus predecessores, como Junqueira Freire e Álvares de Azevedo, projeta o drama interior do escritor (o eu), sua intensa contradição psicológica, sobre o mundo. Enquanto que, para a geração anterior, o conflito faz o escritor voltar-se sobre si mesmo, pois a desarmonia é resultado das lutas internas, para Castro Alves, são as lutas externas (do homem contra a sociedade, do oprimido contra o opressor) que provocam essa desarmonia. É outro modo de representar o conflito entre o bem e o mal, tão prezado pelos românticos.
Portanto, a poética deve se identificar profundamente com o ritmo da vida social e expressar o processo de busca da humanidade por redenção, justiça e liberdade. O poeta "condoreiro" tem um papel messiânico e afinado com o seu momento histórico. Esse comprometimento faz a poesia se aproximar do discurso, incorporando a ênfase oratória e a eloqüência.
Nos poemas de caráter político-social de Castro Alves, como O Livro e a América, Ode ao Dous de Julho e Pedro Ivo, a poesia é suplantada pelo discurso político grandiloqüente e até verborrágico. Para atingir o alvo e persuadir o leitor e, muito mais, o ouvinte, o poeta abusa de antíteses e hipérboles e apresenta uma sucessão vertiniginosa de metáforas quie procuram traduzir a mesma idéia. A poesia é feita para ser declamada e o exagero das imagens é intencional, deliberado, para reforçar a idéia do poema. Os versos devem ressoar e traduzir o constante movimento de forças antagônicas, como em Ode ao Dous de Julho:
Era no dous de julho. A pugna imensa
Travara-se nos cerros da Bahia...
O anjo da morte pálido cosia
Uma vasta mortalha em Pirajá
(...)Era o porvir -- em frente do passado,
A Liberdade -- em frente à Escravidão,
Era a luta das águias -- e do abutre,
A revolta do pulso -- contra os ferros,
O pugilato da razão -- com os erros,
O duelo da treva -- e do clarão!...
Lírica amorosa Castro Alves transformou a poesia lírico-amorosa do romantismo, mudando a concepção temática do amor. Seus poemas, muitas vezes de fundo autobiográfico, destacam-se pelo vigor da paixão, pela intensidade na expressão do sentimento e da experiência amorosa realizada também no plano físico, enquanto desejo e envolvimento sentimental e carnal. Isso o diferencia dos poetas das gerações românticas precedentes, cuja poesia se dirige a uma amada distante, idealizada, intocada e etérea. A amada do poeta é de carne e osso, não é fruto da imaginação adolescente, como para os poetas que o antecederam. O poema O "Adeus" de Teresa é um exemplo dessa amada, que passa a noite com o eu lírico...:
Uma noite... entreabriu-se um reposteiro...
E da alcova saía um cavaleiro
Inda beijando uma mulher sem véus...
Era eu... Era a pálida Teresa!
"Adeus" lhe disse conservando-a presa...E ela entre beijos murmurou-me: "Adeus!"
... e "tem o pé no chão", como no poema Adormecida:
Uma noite, eu me lembro... Ela dormia
Numa rede encostada molemente...
Quase aberto o roupão... solto o cabelo
E o pé descalço do tapete rente.
Teu seio é vaga dourada
Ao tíbio clarão da lua,
Que, ao murmúrio das volúpias,
Arqueja, palpita nua;Como é doce, em pensamento,
Do teu colo no languor
Vogar, naufragar, perder-se
O Gondoleiro do amor!?
Castro Alves transforma a realidade imediata da sua experiência amorosa em criação poética e utiliza-se, para traduzir esse movimento de união entre vida e arte, de metáforas (imagens) ligadas à natureza, como revela o poema Aves de Arribação:
É noite! Treme a lâmpada medrosa
Velando a longa noite do poeta...
Além, sob as cortinas transparentes,
Ela dorme, formosa Julieta!Entram pela janela quase aberta
Da meia-noite os preguiçosos ventos
E a lua beija o seio alvinitente
-- Flor que abrira das noites aos relentos.
O Poeta trabalha!... A fonte pálida
Guarda talvez fatídica tristeza...
Que importa? A inspiração lhe acende o verso
Tendo por musa -- o amor e a natureza!
E como o cactus desabrocha a medo
Das noites tropicais na mansa calma,
A estrofe entreabre a pétala mimosa
Perfumada da essência de sua alma.
Herança Em vários poemas de Espumas Flutuantes, principalmente os de temática existencial, evidencia-se ainda a influência do ultra-romantismo, de seu conterrâneo Junqueira Freire e Álvares de Azevedo. As traduções de Lord Byron, (ao lado das de Vitor Hugo) e algumas das epígrafes das poesias indicam a importância dessa herança no fazer poético de Castro Alves. No entanto, - se na geração do “mal-do-século”, a tônica era o pessimismo, o sentimento de impotência diante da morte iminente, que, muitas vezes, representava uma saída para o tédio da vida -, a visão de Castro Alves da existência é bem diferente: demonstra uma imensa paixão pelo mundo, e a vida é vista com otimismo e prazer. Na verdade, o poeta lamenta deixá-la, quando ameaçado pela doença que o levaria à morte, pois viver é “glória!”, “amor!”, “anelos!”.
Enquanto Álvares de Azevedo afirma: “Eu deixo a vida como deixa o tédio / Do deserto, o poento caminheiro”, Castro Alves “retruca”, no poema Mocidade e Morte, escrito aos 17 anos, após as primeiras manifestações da tuberculose:
Oh! Eu quero viver, beber perfumes
Na flor silvestre que embalsama os ares
(...)
Morrer... quando este mundo é um paraíso,
E a alma um cisne de douradas plumas
Não! O seio da amante é um lago virgem...
Quero boiar à tona das espumas.
Quando eu morrer... não lancem meu cadáver
No fosso de um sombrio cemitério...
Odeio o mausoléu que espera o morto
Como o viajante desse hotel funéreo
(...)
Ei-la a nau do sepulcro -- o cemitério...
(...)
Ali ninguém se firma a um braço amigo
Do inverno pelas lúgubres noitadas...
No tombadilho indiferentes chocam-se
E nas trevas esbarram-se as ossadas...Como deve custar ao pobre morto
Ver as plagas da vida além perdidas,
Sem ver o branco fumo de seus lares
Levantar-se por entre as avenidas!...
Emigrantes sombrios que se embarcam
Para as plagas sem fim do outro mundo
“Sou Don Juan!”, exclama Castro Alves em Os Três Amores. Em Os Anjos da Meia Noite, adotando atitude tipicamente donjuanesca, dedica sonetos para uma sucessão de sete mulheres. Daí supor que o Byron que inspirou Castro Alves parece que foi muito mais o amante da liberdade, o nobre inglês que foi lutar, heroicamente, pela independência da Grécia - e que escreveu o escandaloso poema Don Juan -, do que o byronismo difundido pela geração romântica precedente, através das traduções francesas adocicadas de Alfred de Musset, caracterizado pelo aspecto mórbido e pessimista de se relacionar com a vida. Resumindo: Ainda há, em Castro Alves, influência da geração byroniana, anterior a ele. Mas o poeta baiano encara a morte - e a vida - de outra maneira: não é o escape, a solução para a dor vivente de Álvares de Azevedo, e sim o fim do movimento e da alegria de viver. Herda de Byron mais a atitude donjuanesca do que a tendência ao lamento.
Paisagem de palavras É preciso destacar a presença da natureza na poesia de Castro Alves, permeada de imagens “naturais”, tanto da Terra quanto do Cosmos. Sua poesia unifica o sentimento do poeta ao sentimento da natureza, como em Aves de Arribação.
Mas é principalmente nos poemas de exaltação diante dos espetáculos naturais, como Sub Tegmine Fagi, que a paisagem surge com intensa plasticidade, descrita com a sensibilidade característica do poeta, predominantemente visual. Castro Alves, nesses poemas descritivos, traça belos retratos paisagísticos, antecipando a linha descritivista pictórica da poesia parnasiana, como em Murmúrios da Tarde:
Ontem à tarde, quando o sol morria,
A natureza era um poema santo,
De cada moita a escuridão saía,
De cada gruta rebentava um canto,
Ontem à tarde, quando o sol morria.
As marcas do estilo Poucos poetas utilizaram, na língua portuguesa, tantas reticências, travessões e pontos de exclamação quanto Castro Alves. A cada página do livro, os exemplos se sucedem:
Tanta descrença!... Tanta angústia!...
Tanta!-- Boa noite! --, formosa Consuelo!...
Mulher -- de lábio pálido -- e olhar -- cheio de luz.
Em muitos outros momentos, aparecem como marca do discurso direto, apresentando uma fala que se dirige a um interlocutor específico:
-- Quem bate? -- “A noite é sombria!”
-- Quem bate? -- “É rijo o tufão!...”
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