Vamos analisar os dois textos abaixo:
a. “Um asno, vítima da fome e da sede, depois de longa caminhada, encontrou um campo de viçoso feno ao lado do qual corria um regato de límpidas águas. Consumido pela fome e pela sede, começou a hesitar, não sabendo se antes comia do feno e depois bebia da água, ou se antes saciava a sede e depois aplacava a fome. Assim, perdido na indecisão, morreu de fome e de sede.” (Fábula de Buridam, filósofo da Idade Média)
b. “Um indivíduo, colocado diante de dois objetos igualmente desejados, pode ficar de tal forma indeciso que acaba por perder a ambos”.
Esses dois textos querem dizer basicamente a mesma coisa. Contudo, são estruturados de maneiras diferentes. Qual a diferença entre eles? O primeiro é mais concreto; o segundo, mais abstrato. Mas por quê? O primeiro remete a elementos do mundo natural: asno, campo, feno, águas, etc.
O segundo, remete a elementos mais abstratos, que explicam certos aspectos da conduta humana: objetos igualmente desejados, indecisão, perda. Os dois textos possuem o mesmo esquema narrativo:
1. Um sujeito encontra-se privado de dois objetos e quer conquistar a posse de ambos.
2. Devendo optar por um deles e sendo igualmente atraído pelos dois, é incapaz de realizar a escolha.
3. Permanece privado de ambos.
Como vimos, pode-se tomar um esquema narrativo, revesti-lo com termos abstratos e assim construir um texto. Ou pode-se produzir esse texto abstrato com elementos concretos que representam coisas, ações e qualidades encontradas no mundo natural e, portanto, perceptíveis pelos sentidos.
Portanto, figuras são palavras ou expressões que correspondem a algo existente no mundo natural: substantivos concretos, verbos, que indicam atividades físicas, adjetivos que expressam qualidades físicas — asno, feno, regato, água, beber, límpidas.
Obs. Se imaginarmos um mundo em que as flores sejam de pedra, isso será, também, uma figura.
Temas são palavras ou expressões que não correspondem a algo existente no mundo natural: humanidade, idealizar, privação, feliz e necessidade. Há, portanto, dois níveis de concretização dos esquemas narrativos:
O temático e o figurativo
Encadeamento de Figuras
Quando examinamos um texto figurativo, como é possível encontrar o tema que está por baixo das figuras espalhadas ao longo do texto?
Em primeiro lugar: uma figura não tem significado em si mesma. Isoladamente, ela pode sugerir idéias muito variadas e noções muito imprecisas. Seu sentido nasce do encadeamento com outras figuras.
Como já vimos, num texto tudo é relação. O que dá sentido às figuras é um tema. Quer dizer, encontrar o sentido de um conjunto de figuras encadeadas é achar o tema que está subjacente a elas.
Para compreender mais claramente esses dados teóricos, vamos examinar uma situação concreta:
Vamos imaginar que uma equipe de produção de vídeo tenha por meta construir um texto de propaganda que associe um produto qualquer (um refrigerante, por exemplo) com os temas saúde e juventude…
As figuras para mostrar esses temas poderiam ser:
Seria impossível, no caso, admitir a interpretação de um leitor fantasioso que, tendo observado a estatura de maior porte do rapaz, teimasse em ver por trás dessa figura o tema da inferioridade feminina. E por que não?
Simplesmente porque não se consegue depreender uma rede coerente de figuras que aponte para esse tema. Para compreender o tema de um texto figurativo, é preciso perceber primeiro as redes coerentes formadas pelas figuras.
Além dos temas saúde e juventude, há outros temas que poderiam ser depreendidos no texto da propaganda. Quais seriam eles? Os temas do requinte e do privilégio de classes também se enquadram na rede figurativa elaborada pelo texto.
O que garante a depreensão dos temas é a coerência da rede de figuras do texto, gerada pela relação solidária que existe entre elas. A quebra da coerência da rede de figuras pode tornar o texto inverossímil ou criar novos significados para ele. Por exemplo, vamos supor que vocês estejam produzindo um texto sobre a vida nos trópicos, com as seguintes figuras: praias de areia muito branca – mar azul e verde – coqueiros – frutas variadas e coloridas – mulheres ao sol, etc. Até aí o texto está coerente. Mas, se resolverem adicionar à rede de figuras a figura neve, o texto fica inverossímil. Por outro lado, vamos imaginar que no texto da propaganda, os dois jovens aparecessem trajando roupas negras de mangas compridas enfeitadas com rendas roxas…
Isso provocaria uma ruptura na rede figurativa e, conseqüentemente, uma alteração do tema anterior. É lógico que essas rupturas podem ser intencionais e a própria ruptura ganha sentido em confronto com as demais figuras.
As figuras, embora a oscilação possível de seus significados, estão articuladas no interior de um texto estruturado. Desse modo, as múltiplas significações de uma figura estão sob o controle de um contexto, no qual se encaixam com coerência apenas algumas dessas possibilidades significativas.
Ref: SAVIOLI, Francisco Platão & FIORIN José Luís – Para Entender o Texto. São Paulo: Ática, 1995
a. “Um asno, vítima da fome e da sede, depois de longa caminhada, encontrou um campo de viçoso feno ao lado do qual corria um regato de límpidas águas. Consumido pela fome e pela sede, começou a hesitar, não sabendo se antes comia do feno e depois bebia da água, ou se antes saciava a sede e depois aplacava a fome. Assim, perdido na indecisão, morreu de fome e de sede.” (Fábula de Buridam, filósofo da Idade Média)
b. “Um indivíduo, colocado diante de dois objetos igualmente desejados, pode ficar de tal forma indeciso que acaba por perder a ambos”.
Esses dois textos querem dizer basicamente a mesma coisa. Contudo, são estruturados de maneiras diferentes. Qual a diferença entre eles? O primeiro é mais concreto; o segundo, mais abstrato. Mas por quê? O primeiro remete a elementos do mundo natural: asno, campo, feno, águas, etc.
O segundo, remete a elementos mais abstratos, que explicam certos aspectos da conduta humana: objetos igualmente desejados, indecisão, perda. Os dois textos possuem o mesmo esquema narrativo:
1. Um sujeito encontra-se privado de dois objetos e quer conquistar a posse de ambos.
2. Devendo optar por um deles e sendo igualmente atraído pelos dois, é incapaz de realizar a escolha.
3. Permanece privado de ambos.
Como vimos, pode-se tomar um esquema narrativo, revesti-lo com termos abstratos e assim construir um texto. Ou pode-se produzir esse texto abstrato com elementos concretos que representam coisas, ações e qualidades encontradas no mundo natural e, portanto, perceptíveis pelos sentidos.
Aos elementos concretos presentes no texto designamos figuras. Aos elementos abstratos denominamos temas. |
Portanto, figuras são palavras ou expressões que correspondem a algo existente no mundo natural: substantivos concretos, verbos, que indicam atividades físicas, adjetivos que expressam qualidades físicas — asno, feno, regato, água, beber, límpidas.
Obs. Se imaginarmos um mundo em que as flores sejam de pedra, isso será, também, uma figura.
Temas são palavras ou expressões que não correspondem a algo existente no mundo natural: humanidade, idealizar, privação, feliz e necessidade. Há, portanto, dois níveis de concretização dos esquemas narrativos:
O temático e o figurativo
Encadeamento de Figuras
Quando examinamos um texto figurativo, como é possível encontrar o tema que está por baixo das figuras espalhadas ao longo do texto?
Em primeiro lugar: uma figura não tem significado em si mesma. Isoladamente, ela pode sugerir idéias muito variadas e noções muito imprecisas. Seu sentido nasce do encadeamento com outras figuras.
Como já vimos, num texto tudo é relação. O que dá sentido às figuras é um tema. Quer dizer, encontrar o sentido de um conjunto de figuras encadeadas é achar o tema que está subjacente a elas.
Para compreender mais claramente esses dados teóricos, vamos examinar uma situação concreta:
Vamos imaginar que uma equipe de produção de vídeo tenha por meta construir um texto de propaganda que associe um produto qualquer (um refrigerante, por exemplo) com os temas saúde e juventude…
As figuras para mostrar esses temas poderiam ser:
- uma moça e um rapaz atléticos;
- jogando tênis;
- com vestes impecavelmente brancas e bem talhadas;
- o céu muito azul, o sol brilhante;
Seria impossível, no caso, admitir a interpretação de um leitor fantasioso que, tendo observado a estatura de maior porte do rapaz, teimasse em ver por trás dessa figura o tema da inferioridade feminina. E por que não?
Simplesmente porque não se consegue depreender uma rede coerente de figuras que aponte para esse tema. Para compreender o tema de um texto figurativo, é preciso perceber primeiro as redes coerentes formadas pelas figuras.
Além dos temas saúde e juventude, há outros temas que poderiam ser depreendidos no texto da propaganda. Quais seriam eles? Os temas do requinte e do privilégio de classes também se enquadram na rede figurativa elaborada pelo texto.
O que garante a depreensão dos temas é a coerência da rede de figuras do texto, gerada pela relação solidária que existe entre elas. A quebra da coerência da rede de figuras pode tornar o texto inverossímil ou criar novos significados para ele. Por exemplo, vamos supor que vocês estejam produzindo um texto sobre a vida nos trópicos, com as seguintes figuras: praias de areia muito branca – mar azul e verde – coqueiros – frutas variadas e coloridas – mulheres ao sol, etc. Até aí o texto está coerente. Mas, se resolverem adicionar à rede de figuras a figura neve, o texto fica inverossímil. Por outro lado, vamos imaginar que no texto da propaganda, os dois jovens aparecessem trajando roupas negras de mangas compridas enfeitadas com rendas roxas…
Isso provocaria uma ruptura na rede figurativa e, conseqüentemente, uma alteração do tema anterior. É lógico que essas rupturas podem ser intencionais e a própria ruptura ganha sentido em confronto com as demais figuras.
As figuras, embora a oscilação possível de seus significados, estão articuladas no interior de um texto estruturado. Desse modo, as múltiplas significações de uma figura estão sob o controle de um contexto, no qual se encaixam com coerência apenas algumas dessas possibilidades significativas.
Ref: SAVIOLI, Francisco Platão & FIORIN José Luís – Para Entender o Texto. São Paulo: Ática, 1995
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